sexta-feira, 27 de novembro de 2009

César Benjamin


Vocês sabem quem é César Benjamin?

Então começo por sua biografia sintetizada hoje na Folha de S. Paulo:CÉSAR BENJAMIN, 55, militou no movimento estudantil secundarista em 1968 e passou para a clandestinidade depois da decretação do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro desse ano, juntando-se à resistência armada ao regime militar. Foi preso em meados de 1971, com 17 anos, e expulso do país no final de 1976. Retornou em 1978. Ajudou a fundar o PT, do qual se desfiliou em 1995. Em 2006 foi candidato a vice-presidente na chapa liderada pela senadora Heloísa Helena, do PSOL, do qual também se desfiliou. Trabalhou na Fundação Getulio Vargas, na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, na Prefeitura do Rio de Janeiro e na Editora Nova Fronteira. É editor da Editora Contraponto e colunista da Folha.

Fonte: http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/

O Ovo da Serpente

O 0v0 da Serpente

A Folha publica hoje alguns textos sobre o filme hagiográfico “Lula, O Filho do Brasil”. Benjamin escreve um longo depoimento — íntegra aqui — em que narra todos os horrores que sofreu na cadeia, preso que foi aos 17 anos. Entre outras coisas, e sabemos que isto é tragicamente comum nas cadeias brasileiras até hoje, foi entregue para “ser usado” pelos presos comuns, o que, escreve ele, não aconteceu. E faz um texto que chega a ser comovido sobre o respeito que lhe dispensaram na cadeia.
Depois de narrar suas agruras, interrompe o fluxo da memória daquele passado mais distante para se fixar num mais recente, 1994, quando integrava a equipe que cuidava da campanha eleitoral de Lula na TV — no grupo, estava um marqueteiro americano importado por alguns petistas. E, agora, segue o texto estarrecedor de Benjamin sobre uma reunião.
(…)Na mesa, estávamos eu, o americano ao meu lado, Lula e o publicitário Paulo de Tarso em frente e, nas cabeceiras, Espinoza (segurança de Lula) e outro publicitário brasileiro que trabalhava conosco, cujo nome também esqueci. Lula puxou conversa: “Você esteve preso, não é Cesinha?” “Estive.” “Quanto tempo?” “Alguns anos…”, desconversei (raramente falo nesse assunto). Lula continuou: “Eu não aguentaria. Não vivo sem boceta”.
Para comprovar essa afirmação, passou a narrar com fluência como havia tentado subjugar outro preso nos 30 dias em que ficara detido. Chamava-o de “menino do MEP”, em referência a uma organização de esquerda que já deixou de existir. Ficara surpreso com a resistência do “menino”, que frustrara a investida com cotoveladas e socos.
Foi um dos momentos mais kafkianos que vivi. Enquanto ouvia a narrativa do nosso candidato, eu relembrava as vezes em que poderia ter sido, digamos assim, o “menino do MEP” nas mãos de criminosos comuns considerados perigosos, condenados a penas longas, que, não obstante essas condições, sempre me respeitaram.
O marqueteiro americano me cutucava, impaciente, para que eu traduzisse o que Lula falava, dada a importância do primeiro encontro. Eu não sabia o que fazer. Não podia lhe dizer o que estava ouvindo. Depois do almoço, desconversei: Lula só havia dito generalidades sem importância. O americano achou que eu estava boicotando o seu trabalho. Ficou bravo e, felizmente, desapareceu.
Num outro ponto se seu longo texto, Benjamin comenta o filme sobre a vida de Lula e lembra aqueles que não o molestaram na cadeia:
(…)A todos, autênticos filhos do Brasil, tão castigados, presto homenagem, estejam onde estiverem, mortos ou vivos, pela maneira como trataram um jovem branco de classe média, na casa dos 20 anos, que lhes esteve ao alcance das mãos. Eu nunca soube quem é o “menino do MEP”. Suponho que esteja vivo, pois a organização era formada por gente com o meu perfil. Nossa sobrevida, em geral, é bem maior do que a dos pobres e pretos.
O homem que me disse que o atacou é hoje presidente da República. É conciliador e, dizem, faz um bom governo. Ganhou projeção internacional. Afastei-me dele depois daquela conversa na produtora de televisão, mas desejo-lhe sorte, pelo bem do nosso país. Espero que tenha melhorado com o passar dos anos.
Mesmo assim, não pretendo assistir a “O Filho do Brasil”, que exala o mau cheiro das mistificações. Li nos jornais que o filme mostra cenas dos 30 dias em que Lula esteve detido e lembrei das passagens que registrei neste texto, que está além da política. Não pretende acusar, rotular ou julgar, mas refletir sobre a complexidade da condição humana, justamente o que um filme assim, a serviço do culto à personalidade, tenta esconder.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O Filho do Dono






No instante em que vai às telas ‘Lula, o Filho do Brasil’, chega às páginas um enredo enviesado. Filmado, poderia chamar-se ‘Lulinha, o filho do filho do Brasil’.

No longa-metragem oficial, mostra-se a saga do menino que saltou da miséria nordestina para o triunfo brasileiro.

No curta-metragem não rodado, uma passagem da rotina do menino que emergiu do parentesco ilustre para a fortuna pessoal.

Deve-se à repórter Kátia Brasil a iluminação do
enredo paralelo. Ela conta algo que se passou em 9 de outubro.

Envolve o itinerário de um jato da FAB, um Boeing 737. A aeronave estava a dez minutos de aterissar em Brasília.

Trazia militares a serviço da Aeronáutica. Vinham da cidade paulista de Gavião Peixoto. Súbito, o comandante recebeu uma ordem.

Deveria retornar a São Paulo. Recolheria, a pedido da Presidência da República, um lote de passageiros. Entre eles o presidente do BC, Henrique Meirelles.

O Boeing deu meia-volta. Desceu no aeroporto de Guarulhos às 19h. Foi reabastecido. De repente, nova ordem.

Os novos passageiros embarcariam em Congonhas, não em Guarulhos. Às 20h30, outra decolagem.

O pouso em Congonhas teve de ser retardado. De tanques cheios, o comandante não poderia pousar em Congonhas.

Viu-se compelido a voar a esmo por uma hora. Desperdiçado o combustível, enquadrou-se nas exigências de Congonhas. Às 21h30, desceu.

Os passageiros fardados foram ao fundo da aeronave. As poltronas da frente foram liberadas para os novos passageiros.

Embarcaram, além de Henrique Meirelles, outras 16 pessoas –Fábio Luís Lula da Silva, o Lulinha, e 15 acompanhantes dele.

Procurado, Henrique Meirelles mandou dizer, por meio da assessoria: de fato, requisitara o avião.

Mas só na hora do embarque soube que, "por solicitação da Presidência", Lulinha e mais 15 "aproveitariam o vôo da aeronave colocada à disposição do BC".

Ouvido, o Planalto informou: Lulinha e seus acompanhantes eram convidados de Lula.

"É normal o presidente da República convidar pessoas para se encontrar com ele em Brasília e oferecer transporte pelas aeronaves que servem à Presidência".

Lula tem algo como uma centena de parentes. No geral, os Silva permaneceram longe do Estado. Mantiveram o padrão de vida modesto.

Nesse grupo, Lulinha é exceção. O primeiro-filho é sócio da Gamecorp, uma empresa de vídeo brindada com um aporte milionário da Telemar, em 2005.

A operadora de telefonia (45% do capital pertencente ao BNDES e a fundos de pensão de estatais) borrifou R$ 5 milhões na caixa registradora da firma de Lulinha.

Empresário próspero, Lulinha, o filho do filho do Brasil, não precisaria bulir nas arcas da Viúva para voar de São Paulo para Brasília.

Ao embarcar no Boeing da veneranda e desprotegida senhora, naquela fatídica noite de 9 de outubro, o primeiro-filho prestou um serviço ao pai.

Lulinha mostrou ao Lulão os riscos da presidência imperial. O que diria Lula FHC mandasse asas oficiais buscarem um filho em São Paulo nas mesmas condições?

Talvez dissesse algo assim: "Num país em que brasileiros morrem na maca por falta de atendimento nos hospitais públicos...”

“...É inaceitável que o filho do príncipe e seus acompanhantes mobilizem um Boeing custeado com verbas dos patrícios em dia com os seus impostos”.

O que diabos foi fazer Lulinha em Brasília? A assessoria de Lulão diz que não fornece informações sobre familiares do filho do Brasil.

E quanto aos nomes dos acompanhantes? O Planalto e o BC não forneceram a lista. A FAB informou que não dispõe dos nomes.

De um presidente espera-se que dê exemplos de boa conduta aos súditos que lhe garantem os proventos, a geladeira cheia, o carro na garagem e o avião no hangar.

Nunca antes na história desse país um mandatário demonstrara tanto descaso com as vulgaridades que grassam ao seu redor. Pena.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009


Energia: governo só investiu 38% do orçado no ano
Julian Stratenshulte/Efe

Em 2009, o governo destinou ao Grupo Eletrobras, R$ 7,243 bilhões para cobrir investimentos no sistema de geração e transmissão de energia elétrica.

Entre janeiro e agosto, apenas R$ 2,73 bilhões –38% do total— foram efetivamente investidos.

Os dados são oficiais. Armazena-os um órgão público chamado DEST (Departamento de Coordenação das Empresas Estatais).

As informações foram trazidas à luz, nas pegadas do apagão da noite de terça-feira (9), pelo sítio
Contas Abertas, que se dedica a acompanhar os gastos públicos.

Não há dados disponíveis sobre a execução dos investimentos em energia depois do mês de agosto. Porém...

Porém, mantido o ritmo observado nos primeiros oito meses de 2009, a Eletrobras deve investir até o final do ano R$ 4,2 bilhões.

A cifra corresponde a pouco mais da metade –57% — de toda a verba que o governo reservara para os investimentos do ano.

Em valores absolutos, será o maior montante investido pela Eletrobras desde 2002. No último ano da gestão FHC, os investimentos somaram R$ 5,8 bilhões.

Mas, tomado como uma fatia do PIB, os R$ 4,2 bilhões de 2009 corresponderão a menos de 0,5% de todas as riquezas produzidas no Brasil.

Aliás, em proporção ao PIB, o grupo estatal que gere o setor energético investiu sob Lula, até o ano passado, menos do que fora investido no ocaso da era FHC.

Em 2000, um ano antes do apagão tucano, que resultaria em racionamento de energia, a Eletrobas investira R$ 2,1 bilhões (0,18% do PIB).

Em 2001, ano do apagão, os investimentos somaram R$ 2,5 bilhões (0,20% do PIB). Em 2002, R$ 3,3 bilhões (0,23% do PIB).

Desde a posse de Lula, em 2003, os investimentos da Eletrobras mantiveram-se em patamares inferiores, perdendo peso no cotejo com o PIB.

Em 2003, os investimentos da estatal alçaram a casa dos R$ 2,8 bilhões (0,27% do PIB). No ano passado, R$ 3,7 bilhões (0,13% do PIB). Aperte
aqui e veja a tabela.

Pela versão oficial, o apagão de terça foi ocasionado por chuvas, ventos e raios que caíram sobre as linhas de transmissão da subestação de Itaberá (SP).

Um trololó que, por ora, não soou convincente nem mesmo para o Inpe, o instituto de pesquisas espaciais vinculado à pasta da Ciência e Tecnologia.

Em
nota, o Inpe informou que, na hora do apagão, os raios de Itaberá tinham "baixo potencial" e caíram longe das linhas de transmissão.

O texto do instituto é taxativo: “A baixa intensidade da descarga registrada (menor que 20 kA) não seria capaz de produzir um desligamento da linha, mesmo que incidisse diretamente sobre ela [...]..."

"...Em geral, apenas descargas com intensidade superiores a 100 kA, atingindo diretamente uma linha, poderiam causar um desligamento de linhas de transmissão operando com tensões tão elevadas como as de Itaipu (duas de 600 kV e duas de 750 kV)”.

O desencontro de versões tonifica a suspeita de que pode ter havido falha humana ou defeito operacional no sistema. Algo que o Ministério Público já investiga.

De resto, o apagão reacendeu o debate sobre um antigo flagelo do setor elétrico. Nesse setor, o político prevalece sobre o técnico na escolha dos gestores.

Sob FHC, esse nicho do aparato estatal era dominado pelo PFL, hoje rebatizado de DEM.

O ministro de Minas e Energia do apagão de 2001 era José Jorge, um ex-senador ‘demo’, hoje acomodado numa cadeira do TCU.

Sob Lula, o setor é rateado entre PT e PMDB. O ministro é o senador licenciado Edison Lobão (PMDB-MA), homem de José Sarney.

O presidente da Eletrobras, José Antonio Muniz Lopes, foi alçado ao posto com o aval de Sarney e do deputado Jader Barbalho (PMDB-PA).

Responde pela diretoria financeira da estatal Astrogildo Quental, outro apadrinhado de Sarney.

Chama-se Flávio Decat de Moura o diretor de Distribuição. Apadrinhou-o o senador Renan Calheiros (PMDB-AL).

O diretor de Engenharia é Valter Luiz Cardeal de Souza. Um velho conhecido da ministra petê Dilma Rousseff, a quem deve a nomeação.

Até Orestes Quércia, presidente do PMDB-SP, beliscou uma naco do organograma da Eletrobras. Acomodou Miguel Colassuono na diretoria de Administração.

A política se espraia também pelas subsidiárias da Eletrobras. Preside a Eletronorte Jorge Nassar Palmeira, indicação de Jader.

Na Eletrosul, Eurides Mescolotto, ex-marido da senadora petê Ideli Salvati (SC), líder do governo no Congresso.

No comando de Furnas, Carlos Nadalutti Filho. Foi à cadeira com o endosso das bancadas de deputados federais do PMDB de Minas e do Rio.

Na presidência de Itaipu Binacional, a empresa que eletrifica as linhas de transmissão de Furnas, um ex-deputado: Jorge Samek, amigo de Lula.

Diferentemente dos raios de Itaberá, ainda pendentes de confirmação, as intempéries políticas que infelicitam o setor elétrico brasileiro dispensam, por notórias, maiores verificações.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Um País de Tolos


Deu em O Estado de S. Paulo

O 'autoritarismo popular' de Lula (Editorial)

O venezuelano Hugo Chávez é um tipo rudimentar. O brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva não é. Chávez, que impôs ao seu país a reeleição ilimitada, diz não entender por que um presidente "que governa bem e tem 80% de aprovação" não pode disputar um terceiro mandato consecutivo, como se as regras da ordem democrática devessem variar conforme o desempenho dos governantes e os seus índices de popularidade.Lula, que, em parte por convicção, em parte por um cálculo do custo-benefício da aventura reeleitoral, recusou a possibilidade, acredita que pode chegar aonde quer por outros meios, mais sofisticados do que é capaz de conceber a mentalidade tosca do coronel de Caracas.Trata-se da criação de um novo e presumivelmente duradouro bloco de controle da máquina estatal, da manipulação desabrida de um sistema político desvitalizado e da exploração incessante do culto à personalidade do líder, para que a adulação da massa legitime os seus desmandos e intimide a oposição.É a construção do que o ex-presidente Fernando Henrique denomina "autoritarismo popular" - um acúmulo de transgressões e desvios que "vai minando o espírito da democracia constitucional", como adverte no artigo Para onde vamos?, publicado domingo neste jornal.Esse processo de erosão das instituições e procedimentos é tão mais temível quanto menos ostensivo e menos expresso em atos de violência política crassa, à maneira do que Chávez faz na Venezuela para quebrar a espinha da democracia no seu país. A lógica dos objetivos não difere - "a do poder sem limites", aponta Fernando Henrique -, mas o método, no Brasil do lulismo, é insidioso.Por isso mesmo, "pode levar o País, devagarzinho, quase sem que se perceba, a moldar-se a um estilo de política e a uma forma de relacionamento entre Estado, economia e sociedade que pouco têm que ver com nossos ideais democráticos".No interior do governo, Lula aninha uma burocracia sindical que se apropria sistematicamente do mando dos gigantescos fundos de pensão das estatais, os quais, por sua vez, têm assento nos conselhos das mais poderosas empresas brasileiras.Forma-se assim uma intrincada trama de interesses que se respaldam reciprocamente, não raro em parceria com empresários que conhecem o caminho das pedras - "nossos vorazes, mas ingênuos capitalistas", diz Fernando Henrique -, fundindo-se "nos altos-fornos do Tesouro".Isso dá ao presidente um poder formidável sobre o Estado nacional que extrapola de longe as suas atribuições constitucionais. É uma espécie de volta, em trajes civis, ao regime dos generais. No trato com o Congresso, Lula faz os pactos que lhe convierem com tantos Judas quantos estiverem dispostos a servi-lo para se servirem dos despojos da administração federal, enquanto a oposição balbucia objeções que dão a medida de sua irrelevância."Parece mais confortável", acusa o ex-presidente, "fazer de conta que tudo vai bem e esquecer as transgressões cotidianas, o discricionarismo das decisões, o atropelo, se não da lei, dos bons costumes." Mais confortável porque mais seguro. São raros os políticos oposicionistas que não se deixam acoelhar pelas pesquisas de opinião que mantêm Lula nas nuvens e que o aparato de comunicação do Planalto, sob a sua batuta, não cessa de exacerbar - daí a pertinência do termo "culto à personalidade".Desde a derrota de 2006, o PSDB de Fernando Henrique praticamente desistiu de expor as responsabilidades pessoais do adversário vitorioso pela autocracia em marcha no País. Os pré-candidatos tucanos José Serra e Aécio Neves, por exemplo, medem as palavras quando falam de Lula, decerto receando que ele possa fazê-las se voltarem contra eles mesmos junto ao eleitorado que o venera. Mesmo na condenação à campanha antecipada da ministra Dilma Rousseff, a oposição parece comportar-se como se estivesse "cumprindo tabela".Lula não precisa tomar emprestada a borduna de Hugo Chávez para ditar os modos e os caminhos da evolução da política nacional. "Partidos fracos, sindicatos fortes, fundos de pensão convergindo com os interesses de um partido no governo e para eles atraindo sócios privados privilegiados", descreve Fernando Henrique, "eis o bloco sobre o qual o subperonismo lulista se sustentará no futuro, se ganhar as eleições."